POR QUE ESCREVEMOS?
Isabel C. S. Vargas
Muitas pessoas têm facilidade para colocar no papel suas idéias. Outras, nem tanto. Há ainda as que não acham necessário fazê-lo, embora tenham aptidão para tal.
Inúmeras pessoas têm o hábito de escrever. Os diários da época de adolescência,
caracterizam o início de um hábito que por vezes perdura até a idade adulta. Entretanto, quem se atreve a tornar isto público, não são tantas assim. Há o temor da crítica, da exposição e até das diferentes interpretações que nossas palavras podem suscitar. Entretanto, depois que começamos a fazê-lo, o temor inicial desaparece e as palavras vão fluindo com mais segurança.
Há quem possa escrever para ter reconhecimento, mas há quem tenha encontrado a sua maneira de se expressar, de se posicionar no mundo, de passar experiências vividas, de externar sentimentos, opiniões, posicionamentos que poderão auxiliar outras pessoas que vivam situações semelhantes, que se identifiquem com as colocações, ou que muitas vezes necessitem de uma palavra que as façam ter coragem de empreender uma nova tarefa, uma mudança e perceberem que todos temos dificuldades, dúvidas, inseguranças.
Muitas vezes nos reconhecemos através do que percebemos no outro. Podemos gostar ou não. Geralmente, quando não gostamos de algo que percebemos, temos oportunidade de nos questionarmos e corrigir aquilo em nós mesmos, assim nos aperfeiçoamos, crescemos e melhoramos os nossos relacionamentos.
Creio que nossas imperfeições nos dão a dimensão de nossa humanidade, de quanto temos que aprender, mas que podemos melhorar a cada dia, buscando sempre aperfeiçoamento espiritual.
Ao escrevermos, colocamos nossas idéias em ordem, vemos com mais clareza determinadas situações, compreendemos melhor determinados sentimentos, produzindo um efeito mágico, fazendo certas dificuldades ou temores sumirem à medida que os escrevemos e nos defrontamos com eles.
É também uma forma de chegar aos mais diferentes tipos de pessoas, permitindo que possamos nos identificar, independente de posição social, credo, raça, idade ou sexo.
Conseguimos perceber que vivenciamos situações idênticas, mas reagimos de maneira diferente, levando em conta nossas experiências, nossas convicções, nossa maneira de ser. O modo como encaramos os fatos e a eles reagimos é que vai fazer a diferença. Uns se deixam aniquilar, outros encontram forças para recomeçar mais fortalecidos.
Creio que ao escrever, empreendemos uma viagem para dentro de nós mesmos, dando-nos a possibilidade de entender que a felicidade está no bom uso que fazemos daquilo que temos e que a real importância de escrever é conseguir tocar o coração das pessoas.
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CATARSE
Isabel C S Vargas
Escrevo para aliviar a dor.
Tenho consciência do processo de catarse que ocorre.
É bem diferente de quando escrevia sobre o cotidiano.
Na realidade, continuo escrevendo sobre o dia a dia, mas em um processo muito pessoal.
O meu cotidiano é de dor. E esta dor ora me impede de ver outras coisas, pois de tão imensa, me transborda, ao mesmo tempo em que me toma por inteiro.
Minhas crônicas retratavam minhas vivências,assim como as de outras pessoas que , de algum modo, despertava em mim um sentimento especial.
Estava aberta para o mundo, a vida, o aprendizado, para as pessoas e para a descoberta de muitas coisas dentro de mim e do entorno. Posso dizer, que salvo alguns momentos mais difíceis a vida era leve. Hoje vejo o quão leve era, comparável ao voo de uma borboleta, ou à parada de um beija-flor para colher o néctar das flores. Imperceptível para os olhos menos atentos. Inclusive aos meus.
Hoje, voluntariamente, me recolhi. Ou a dor me recolheu, não sei. Ou a vida se fez de rogada , se recolheu, perdeu o encanto e eu me limitei a seguir seus passos.
Escondo-me da vida, da dor, de mim mesma, do futuro que é um viajante desconhecido no tempo.
Nesse vai e vem de encontros e desencontros, o mais cruel e doloroso é perceber que perdemos as pessoas que amamos e seguimos respirando, sobrevivendo.
É um processo expiatório.
As dores, quando físicas,mesmo nas amputações saram, embora a aparência diferente e os sinais em tempo de intempérie.
A dor da alma corrói, embora olhando por fora todos os membros pessoais estejam visíveis e intactos.
Na verdade, foi a alma que se foi. Voou como pássaro que abandona o ninho. Nem olhou para trás.
O que dói é o vazio, a falta de sentido, o despropósito da situação.
Antes, escrevia pensando tocar o coração das pessoas.
Hoje escrevo para encontrar os pedaços do meu.
2010
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RABISCOS
Escrevo
Para em cada palavra,
Expurgar minha dor,
Tornando-as fonte de inspiração
Para reencontrar um novo rumo
Que me mostrará muita luz
Emanada dos anjos
Para indicar o caminho do amor.
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Ato de sobrevivência
Isabel C S Vargas
Para falar sobre a importância do ato de escrever, tenho que esquecer o que já escrevi sobre o tema para não me repetir. Passo uma borracha em meu interior. Não quero me deixar influenciar pelo já dito.
Hoje não sou mais a mesma de ontem- sou aquela e mais outras tantas - portanto, os motivos que me impeliam outrora, necessariamente, não são os mesmos de hoje.
Fecho os olhos em uma profunda reflexão. Desde quando escrevo? Qual minha trajetória de escrita?
Primeiro escrevia para mim nos diários que mantinha sigilosamente na adolescência.
Quando as pessoas se enamoram tentam eternizar estes momentos colocando-os no papel. Geralmente não passam disto. Amontoados de papel entupidos de sentimento que são rasgados logo ali, num momento de raiva. Os meus permanecem na caixa até hoje. Não sei se ao abri-la reconhecerei aquela que os escreveu.
Quando meus filhos nasceram o encantamento era tal que escrevi em seus álbuns para que guardassem os meus sentimentos até depois de minha partida. Desejo de eternidade, motivo escondido de quem escreve. Medo da finitude. Idéia internalizada de que existe ordem para tudo.
Em um momento, encantada com a vida, na tranqüilidade da maturidade comecei a escrever poesias, sem me atrever a mostrar para alguém.
Enveredei para outro tipo de escrita menos emocional. Sobre questões da área em que atuava. Naquela era preciso manter todo um conjunto de regras, que nos limitam a esta postura. Controle! Preservação do meu eu. Era o profissional orientando a comunidade.
No decorrer da vida, sucessivos acontecimentos interferem em nossos desejos, na nossa conduta. Mudamos. Para melhor ou pior é um juízo muito subjetivo.
O que antes temerosos guardávamos passamos a jogar ao vento, e nesse ato de voar encontramos algumas pessoas que se identificam conosco, outros que se descobrem. No decorrer desse processo vamos nos livrando de certos pesos, por uma necessidade quase incontrolável.
Afrouxamos as cangas que nos mantém prisioneiros de nossos medos internos de rejeição. Feito isso, depois é como brincar. Lúdico, prazeroso. É como se jogássemos aviões de papel para o alto e eles retornassem pois mais pessoas começam a se envolver na brincadeira. Já não brincamos a sós. A troca estimula. A necessidade se instaura, e os motivos que nos impediam de soltar aviões, pipas ou penas ao vento já não mais importam. Quanto mais nos revelamos, mais leves ficamos. Dividimos dúvidas, temores, inquietações, pequenas e grandes, alegrias e conquistas. Contraditório e paradoxal, mas ao nos despojarmos de algo, mais espaços interiores criamos.Então nosso foco muda. Saímos de nós, passamos a ver o que nos rodeia com um olhar mais sensível. Começamos a colocar o outro em nossos textos. Se é literatura, catarse, poesia não saberia dizer especificando cada época. Talvez de tudo um pouco para ser mais generosa comigo.
Reconheço que era algo que fazia por puro prazer, além de ser leve o conteúdo.
Era como liberar energia positiva. Retorno emocional instantâneo.
Até que um dia a vida explodiu para mim. Os cacos se espalharam e através da escrita tentei juntar o que sobrou.
O formato mudou. Tudo mudou.
Se refletirmos, perceberemos que viver é estar em constante mutação.
Quando as mudanças são sutis quase não as percebemos. Vivemos com a falsa ilusão de que ainda somos os mesmos que éramos, sem perceber que já pereceu a criança , o adolescente e algumas vezes o adulto que existiam, restando o espectro de todos. Assim como acreditamos em muitas outras coisas, como que existe ordem cronológica para nascer viver e morrer e quando essa ordem se inverte, morremos também. Senão visível, de forma metafórica .
Mais uma vez é através desse ato desesperado de escrever que tentamos expurgar a dor.
É uma necessidade imperiosa para sobreviver, ocupar a mente, externar sentimentos, sonhar, reorganizar as emoções assim como a criança se identifica e reorganiza nos contos de fadas, coloco para fora os monstros dos sonhos de terror para ver se encontro nesses despojos, as fadas e os anjos que povoaram meus sonhos e minha vida.
Tento encontrar caminhos reais e imaginários.
Escrevo como um último recurso de criar novos territórios onde possa deletar fantasmas, desmistificar crenças, perpetuar a vida, o amor e manter viva em mim as lembranças felizes de seres maravilhosos que deram sentido ao meu viver.
Em suma, é através da escrita que me oportunizo um novo sentido.
Ato declaratório de esperança. Embate direto com a morte.A real e a metafórica.
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Metalinguagem
Escrever é virar do avesso
Mostrar as costuras
Emendas, Remendos
Imperfeições
Verdades
Que camuflamos no cotidiano
Quando mostramos
Só os acessórios externos.
Isabel C S Vargas
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Meu vício
“A virtude é quando se tem a dor seguida do prazer; o vício é quando se tem o prazer seguido da dor” Margaret Mead
Sua origem está na palavra latina vitium que significa falha ou defeito.
Os vícios, em geral, são ligados aos pecados, às coisas danosas. Por isso é comum ao pensar em vício, as pessoas se reportarem às condutas socialmente reprováveis e hoje até proibidas por lei em função do local, da atividade, da idade, como o cigarro e o álcool.
Há quem de imediato possa mencionar a gula, o vício por doces, chocolates.
Interessante é a colocação da autora indicada na epígrafe que relaciona vício, virtude, dor e prazer, mostrando que assim como no amor e no ódio os antagônicos se atraem.
Isto me deixa mais à vontade para falar de meu vício: ESCREVER
E é um vício antigo. Começou lá na adolescência com os diários, passou para as cartas, depois pelos textos profissionais que publicava na imprensa, pelas crônicas, contos, poemas. Enfim, um colar de miçangas parafraseando Mia Couto. Se antes escrevia por puro deleite, sem me atrever a mostrar a alguém, depois que comecei a mostrar o que não me revelava interiormente (só o profissional), passei para o inevitável, para aquilo que revelava minha opinião (crônica). Ousadamente, passei para os pequenos contos. Tudo até então relacionado ao prazer, não saberia explicar se por virtude ou vício. A última fase deste entremeado de linhas, essa sim é de pura dor. E o escrever, dolorido, sangrado em cada letra é meu processo de catarse na tentativa desesperada de permanecer viva, de não perder a sanidade e elaborar a dor pela perda de meu filho amado. Deduzo, então, baseada na definição acima que meu ato de escrever é de puro vício, embora não danoso, não prejudicial, mas sim como um último e desesperado recurso de sobrevivência, de me manter ligada ao meu amor que se foi a mim mesma, tentando me reencontrar e me relacionar com as pessoas, fugindo do desespero e da solidão.
Publicado na Revista Literária cujo tema era Meu Vícios
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SÓ MESMO DRUMMOND...
Isabel C.S.Vargas
O texto de Drummond, o grande e maravilhoso que é capaz de extrair poesia de pedra, nos faz pensar, refletir sobre o que fazemos – escrever - por profissão, deleite, necessidade, vocação, ou qualquer que seja o motivo.
Os meios de comunicação além de informar, formam e transformam pessoas, opiniões, comunidade, um país inteiro, se for necessário (quantos já caíram do pedestal, por interferência dos meios de comunicação), por força de fatos revelados ou por revelação de omissões nefastas, tipo aquela de Pilatos, de quem lavou as mãos, embora elas não estejam limpas.
Bem, voltando ao mago das palavras... Para que não fiquemos “cheios de si”, com um certo ar de importante pelo fato de escrevermos crônicas, de termos a ousadia de publicá-las e achar que transformamos o mundo, ou as pessoas, só porque dizemos algo ,ou melhor, nos atrevemos a dar nossa versão sobre determinado assunto, ou relatar experiências que nos tocaram e que pode ser do agrado de alguns leitores é bom dar um lida no que ele diz sobre o ato de escrever.
“Escrever impede a conjugação de tantos outros verbos. Os dedos sobre o teclado, enquanto lá fora a vida estoura não só em bombas como também em dádivas de toda natureza, inclusive a simples claridade da hora, vedada a você, que está de olho na maquininha. O mundo deixa de ser realidade quente para se reduzir a purê de palavras.
O que você perde em viver, escrevinhando sobre a vida. Não apenas o sol, mas tudo que ele ilumina. Tudo que se faz sem você, porque com você não é possível contar. Você esperando que os outros vivam, para depois comentá-los com a maior cara-de-pau ("com isenção de largo espectro", como diria a bula, se seus escritos fossem produtos medicinais). Selecionando os retalhos de vida dos outros, para objeto de sua divagação descompromissada. Sereno. Superior. Divino. Sim, como se fosse deus, rei proprietário do universo, que escolhe para o seu jantar de notícias um terremoto, uma revolução, um adultério grego — às vezes nem isso... Sim, senhor, que importância a sua: sentado aí, dando sua opinião sobre a angústia, a revolta, o ridículo, a maluquice dos homens. Esquecido de que é um deles.
Ah, você participa com palavras? Sua escrita — por hipótese — transforma a cara das coisas, há capítulos da História devidos à sua maneira de ajuntar substantivos, adjetivos, verbos? Mas foram os outros, crédulos, sugestionáveis, que fizeram o acontecimento. Isso de escrever «O Capital» é uma coisa, derrubar as estruturas, na raça, é outra. E nem sequer você escreveu «O Capital». Não é todos os dias que se mete uma idéia na cabeça do próximo, por via gramatical. E a regra situa no mesmo saco escrever e abster-se. Vazio, antes e depois da operação.”
Já revelei em outras ocasiões o quanto gosto de Drummond, do que e como escrevia. Apesar de fazer esta crônica com seu prazeroso texto (há quem diria delicioso, mas sou do tempo que só se usa delicioso para coisas comestíveis) vou me permitir discordar um pouco do que ele diz (até para me justificar de aqui estar).
Todo aquele que se atreve a comentar sobre os fatos do cotidiano, não o faz por ser ou estar sereno (nem ele próprio), superior, mas por ter sido tocado por tais fatos, por outros textos, por uma palavra numa conversa informal com outrem, por acontecimentos fortuitos, quer de maneira negativa ou positiva a ponto de não conseguir guardar para si todo o sentimento produzido (alegria, tristeza, inquietação, admiração, indignação) dividindo-o com os leitores. Creio que conseguimos ter olhos sensíveis para os acontecimentos, (não que outras pessoas não possuam) por mais banais que possam parecer, só temos a ousadia de dar nossa opinião e de mostrar de que modo fomos atingidos. Neste processo, muitos se identificam e gostam (nosso público leitor) outros discordam, e outro percentual nem foi atingido pelo que escrevemos e seguem sua vida independente das letrinhas colocadas no papel. Enquanto isso, como diz o poeta,” um imprevisto sucede outro, num mecanismo de monotonia... explosiva”.